sábado, 29 de maio de 2010

O LIVRO DIDÁTICO COMO FONTE PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UMA CONTRIBUIÇÃO*

José Wilson Moura Santos**


RESUMO

O texto demonstra, por meio da leitura das obras de Lajolo & Zilberman(1998), Laguna(2003) e Ferro(2000), a singularidade da leitura dos livros didáticos e paradidáticos como fontes imprescindíveis para o estudo da História da Educação e de todo o processo ensino-aprendizagem, no decorrer do tempo por focar, de diversas formas, o contexto escolar e o processo ideológico nos diversos momentos.

Palavra-chave:
Fonte – Livro Didático – Leitura – Representações – História da Educação


A História da Educação, hoje, contempla uma diversidade de temas que vão desde os estudos mais tradicionais como: os que investigam o ensino, a escola e a legislação educacional aos mais recentes, como: o livro, a mulher inserida no ensino, violência escolar, crianças e jovens na escola. A leitura, como outros tantos, tem sido ultimamente , objeto dos pesquisadores que se apóiam na História Cultural.
Com relação a esse último objeto de estudo da História da Educação, umas das fontes mais propícia para estudá-la, segundo Lajolo e Zilberman é
O livro didático..., é poderosa fonte de conhecimento da história de uma nação, que, por intermédio de sua trajetória de publicações e leituras, dá a entender que rumos seus governantes escolheram para a educação, desenvolvimento e capacitação intelectual e profissional dos habitantes de um país. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1998, p.121)

Para muitas crianças e até mesmo jovens, o livro didático de leitura é ou foi o primeiro, entre os tantos conhecimentos adquiridos no cotidiano que proporcionou a formação, idéias, postura, conduta, atitudes que são desejadas pela sociedade e pelo Estado passado, as quais foram transmitidas através do livro didático de leitura. Em relação a sua importância para a História da Educação, Lajolo e Zilberman afirmam que
o livro didático interessa igualmente a uma história da leitura porque ele, talvez mais ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode não ser tão sedutor quanto às publicações destinadas à infância (livros e histórias em quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as etapas da escolarização de um indivíduo... (Idem,1998, 121)

Diante da possibilidade do livro didático nos confidenciar o conhecimento do processo de leitura, o que os estudantes liam e o que essa leitura tinha a dizer ou influenciar na formação do leitor, propomos a partir da leitura de Lajolo e Zilberman(1998), Laguna(2003) e Ferro(2000) convalidar que essa fonte citada é fundamental para se escrever a História da Educação, além de conhecer as representações que se criavam para a formação do leitor e do cidadão naquele momento histórico.
Lajolo e Zilberman em “A formação da leitura no Brasil”(1998), tratam de mostrar como se deu o desenvolvimento da leitura no Brasil (por meio, principalmente, das obras literárias), como todo o processo de profissionalização do escritor brasileiro junto as suas dificuldades, despesas, angústias e desapontamentos. E entre os vários temas abordados, discorrem sobre a situação da educação no Brasil, a importância do livro didático, a falta de uma produção nacional e em seguida da confecção desse tipo de livro por intelectuais que viram um mercado promissor e meio de sustento pela pouca remuneração no mundo das letras.
A respeito da finalidade da produção do livro didático para a formação do estudante e consequentemente do leitor brasileiro, conhecemos desde os princípios do século XIX, qual a exigência para a produção desse tipo de obra pelo escritor. Segundo Lajolo e Zilberman “o requisito exigido para a escolha das obras é sua ‘perfeita e exata moral’, ao lado, por assim dizer, de uma reconhecida reputação”. (Idem, 1998, 150). Entre os escritores estrangeiros que influenciou o mercado do livro didático no Brasil, está o português João de Deus que reafirma isso em seu livro didático a partir do título da obra Cartilha maternal, que é “uma expressão que aproxima escola e família através da figura maternal”. (Idem, 1998, 190)
A produção do livro didático brasileiro só vem se tornar realidade no fim do século XIX, quando há a “nacionalização do livro para criança”. (Idem, 1998, 183) Segundo as autoras, a produção de livros didáticos por brasileiros foi inaugurada por Abílio César Borges para “todas as séries do ensino fundamental”. (Idem, 1998, 199)
No estudo da leitura do livro didático, notamos toda uma construção de representações que o autor faz da realidade. Segundo Chartier a representação “... é o instrumento de um conhecimento mediato que revela um objeto ausente, substituindo-o por uma imagem capaz de trazê-lo à memória e pintá-lo tal como é”. (CHARTIER, 2002, p 74). É assim que o autor de livro didático representa o real, o cotidiano apreendido por ele, passando ao leitor, as atitudes, o cotidiano e o comportamento que se quer do leitor. Contudo, essas representações são apropriadas pelo leitor e desse modo, a interpretação da leitura dar-se-á da forma como o leitor vai representar o real a ele representado. Diante dessas representações e da maneira que o leitor se apropria dela, podemos concluir que a representação possivelmente será divergente de um leitor para qualquer outro.
Essas representações da realidade e do que o Estado e a sociedade querem que sejam praticadas no seu meio são representadas através das leituras dos livros didáticos analisados por Shirley Puccia Laguna(2003) em Uma leitura dos livros de leitura da Escola Americana de São Paulo (1889-1933). Portanto, neste trabalho, Laguna se ocupa em demonstrar entre tantas outras coisas, que o livro de leitura passa como deve ser o comportamento e a convivência familiar e social dos alunos; manipulação de conceitos e a maneira de ver a cultura popular, a História do Brasil, a relação campo x cidade na ótica escolar, criando o sentimento patriótico e a exaltação ao herói e grandes escritores nacionais.
Laguna expõe que nos livros didáticos do início do século XX, tinham toda uma preocupação pela exaltação do Brasil e o afloramento do patriotismo. A construção desse sentimento pode ser visto entre os livros analisados pela autora, em ‘Minha Pátria’ de João Pinto e Silva, onde nessa obra “o Brasil é apresentado nas lições como a pátria, ‘a terra-mãe’, que deve ser amada, respeitada e defendida por seus filhos”. (LAGUNA, 2003, p. 46). E ainda neste mesmo livro de leitura, Laguna afirma que os defensores da pátria, ou melhor, os ‘heróis’ do Brasil “deveriam ser glorificados pelos brasileiros e chamados de heróis” (Idem, 2003, p. 47) e que nos livros didáticos são representados como “guias das pessoas comuns, modelos de conduta moral e patriótica para crianças e jovens. Igualmente foram tidos como ‘ouro’ necessário para forjar um Brasil forte” (Idem, 2003, 143); além de servirem para “para transmitir ensinamentos morais, moldar comportamentos, configurar caráter”. (Idem, 2003, 171)
Outro tema abordado pelos livros didático é a exaltação do campo e a boa vida que ele pode proporcionar. Na obra ‘Saudade’ de Tales de Andrade que segundo Laguna “o livro veicula a idéia de que a grandeza do país estava na terra, em uma agricultura forte, bem como de que a felicidade do brasileiro encontrava-se na vida simples, calma e saudável do campo (da roça)”. (Idem, 2003, p. 74)
Os ensinamentos morais, segundo Laguna tomam projeção em várias obras didáticas, muitas vezes como textos apólogos, como em fábulas (Idem, 2003, p. 125-126). Essas obras transmitiam aos alunos como deveriam ver “o professor como um espelho real e bom no qual o aluno iria se mirar para aprender a não mentir, a ser pontual, a cumprir os deveres, a respeitar e amar o próximo por meio de ações, por colocar a necessidade do conhecimento da pátria para bem amá-la e servi-la”. (Idem, 2003, 125).
Um outro tema que toma um bom número de obras didáticas de leitura é a exaltação ao trabalho, segundo Laguna. O trabalho nos livros didático é visto como elemento de erguer a auto-estima, dignificar o homem (no caso o menino) e motivo de sucesso. Ela escreve que, entre as obras, “na lição O pedreirinho, de Coração, o pai de Henrique procura conscientizá-lo também de que todo o trabalho é nobre.” (Idem, 2003, p. 137)
Também, os livros de leitura estudados por Laguna(2003) trabalham na representação da construção de um bom aluno e de uma boa pessoa. Segundo a autora, o bom aluno representado nas lições é aquele que “cuida para que o material esteja sempre em ordem para as aulas..., a ‘boa pessoa’ é corajosa, honrada, leal na amizade, caridosa e perseverante; não mente; não tem inveja ou preguiça; não maltrata os animais; mas protege-os e alimenta-os; pratica boas ações e trata todos com bons modos; é bom filho e obedece aos pais; comporta-se bem em casa e na escola”. (Idem, 2003, 214-215)
Maria do Amparo Borges Ferro(2000), na sua tese intitulada Literatura escolar e História da Educação: cotidiano, ideário e práticas pedagógicas analisa o romance Cazuza, o qual apresenta o cotidiano escolar no início do século XX, além de caracterizar as mudanças pedagógicas, a relação professor/aluno e a função social da escola.
De acordo com Borges Ferro, a obra apresenta
as grandes questões que estão postas na obra, em que se percebe a intenção de repassar e inculcar, nos leitores, idéias, valores, ideais e a estimulação de formação de posturas e atitudes presentes no ideário republicano que se firmava neste país, àquela época. (FERRO, 2000, p. 5)

A obra analisada por Ferro, demonstra a preocupação que o paradidático tinha na formação moral e patriótica do estudante. A abordagem desse tema era dada “de forma bastante atraente e comunicativa para o público infanto-juvenil, ao qual se dirige divulgando idéias e ideais, demonstrando preocupação com a formação da conduta moral e patriótica das crianças e adolescentes” (Idem, 2000, p. 86), além disso, o autor também estimula “a idéia de brasilidade, de fraternidade a unir um povo acima das diversidades e disputas regionais”. (Idem, 2000, p.113)
Também a obra analisada por Ferro, estimula e dá a convicção do alto status que ocupa a criança que estuda em detrimento a aquela que está fora da unidade de ensino. A autora afirma que o autor do romance deixa a idéia de que “o menino que ia à escola tinha uma posição social diferenciada, e mais valorizada. Dava status freqüentar a escola, uma vez que tão poucos a ela tinham acesso. É a escolarização funcionando como critério ou meio de prestigio social”. (Idem, 2000, p. 168)
Ferro mostra que o romance não chama atenção apenas à escola, ao aluno e o que se espera dele, mas volta-se a prática docente. E ao voltar-se a ela, demonstra que as práticas pedagógicas dos professores da zona rural e urbana eram totalmente antagônicas. Enquanto o professor da zona rural é “autoritário e hermético ao diálogo”..., o professor da zona urbana “tinha o gosto pelo ensino, e assumia uma posição de polivalência substituindo quaisquer dos professores do primário ou secundário que por algum motivo faltassem à aula, com tal eficiência...” (Idem, 2000, p. 189-190).
Diante do exposto, temos a certeza de que o estudo da leitura dos livros didáticos e para-didáticos demonstraram sua importância como fonte singular para o estudo da História da Educação, pois abrange tanto o processo de leitura, quanto a formação do leitor, comportamento, a compreensão da relação escola/indivíduo e como ele era tratado nessa instituição. E mais, a força desses escritos esclarece às práticas pedagógicas, o cotidiano da escola e as intenções de se produzirem determinados textos para serem trabalhados em sala de aula que em parte trazem toda uma ideologia.






Notas:
* Texto produzido entre fevereiro e abril de 2010.
** Graduado em História pela UFS, Especialista em Educação e Gestão pela Faculdade Pio X. Professor da rede pública de ensino. Integrante do grupo de estudo História Popular do Nordeste/NPGL.



Referências 


CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

FERRO, Maria do Amparo Borges. Literatura escolar e História da Educação: cotidiano, ideário e práticas pedagógicas. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2000. (Tese de Doutoramento)

LAGUNA, Shirley Puccia. 2003. Uma leitura dos livros de leitura da Escola Americana de São Paulo (1889-1933). São Paulo: PUC, 2003 (Tese de Doutorado).
 
LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paula: Ática, 1998.

BREVE REFLEXÃO ACERCA DA CONTRIBUIÇÃO DA HISTÓRIA CULTURAL À EDUCAÇÃO*


  José Wilson Moura Santos**


RESUMO

O texto trata de abordar os teóricos da História Cultural e suas importantes obras como marco teórico-metodológico para o estudo da História da Educação. Esta por destes, incorporou novos objetos, métodos, abordagens e fontes de trabalho historiográficos. Além de estabelecer interação entre a História da Educação e as Ciências Humanas.

Palavra-chave:
Historiografia; História Cultural; História da Educação; Fontes; Objetos





A História da Educação até meados da década de sessenta do século passado não tinha relevância como objeto de estudo da História, mesmo que tenha se constituído “como disciplina científica no final do século XIX. Uma grande quantidade de trabalhos tendo a História da Educação como objeto começou a circular na Europa a partir da década de oitenta do século XIX, depois do sucesso obtido pelo cursdo que Wilhelm Dilthey ministrou na Universidade de Berlim, em 1884” (NASCIMENTO, 2003, p. 22). Mas, só atualmente que temos um avanço considerável do número de obras e pesquisas dentro do campo da História da Educação, tanto a nível mundial quanto local (ou seja, no Brasil e notadamente aqui em nosso Estado), isso graças a formação dos núcleos de pós-graduação em Educação (VIDAL & FARIA FILHO, 2005, p. 73: LOPES & GALVÃO, 2005, p. 35). Também, a sua abordagem temática teve uma notável diversificação, ao ponto de desenvolver ao lado dos antigos objetos de estudo (estudo das leis educacionais, grades curriculares, o ensino, a escola...), temas como “... as crianças e os jovens, o livro e a leitura, as mulheres, a violência, entre tantos outros sujeitos e objetos que contribuem para a melhor compreensão dos processos educativos do passado” (LOPES, 2005, p. 12).
Como objeto da História, destaca-se pela sua abordagem teórico-metodológico sob a luz da História Cultural, por ser um campo teórico onde permite ao historiador da educação trabalhar os pequenos fenômenos e a facilidade de manusear inúmeras fontes, dantes vistas no meio científico como impossíveis de ‘falar’ sobre o passado educacional.  Assim, a História da Educação têm novos mananciais além das usuais, tais como
a legislação e os relatórios oficiais, ao mesmo tempo em que se saúda, como muito bons olhos, a utilização de outras ainda não tão comuns ao meio: memórias e autobiografias, imagens, sobretudo fotográficas, revistas pedagógicas, jornais, livros didáticos e até mesmo filmes, músicas e materiais escolares (Ibidem, p. 118).

A História da Educação tem abordado suas temáticas e o uso das mais variadas fontes de pesquisa sobre a insígnia da História Cultural. Essa relação entre História Cultural e História da Educação nasceu a partir das obras de Peter Burke, Roger Chartier, Robert Darton, Carlo Ginzburg e Diana Vidal e Faria Filho. Desses teóricos tentaremos breve e sucintamente de forma pouco profunda identificar o arcabouço teórico-metodológico que assegura a cientificidade a este campo do conhecimento trabalhar uma grande diversidade de temas dentro da sua disciplina.
Peter Burke em “A Escola de Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia” (1997), atesta a reviravolta dada a historiografia pelos Annales ao propor a interdisciplinaridade e novos métodos teóricos como a História Cultural que possui uma grande relação com a Educação. Isso se iniciou no momento que foi minimizada as abordagens religiosas, marxistas e positivitas sobre a História da Educação e no momento que ela própria passa a interagir com outras ciências sociais. Foi com os Annales que houve a expansão do 
campo da história por diversas áreas. O grupo ampliou o território da história, abrangendo áreas do comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos historiadores tradicionais. Isso vinculado à descoberta de novas fontes e métodos para explorá-los; a colaboração com outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à lingüística, da economia à piscologia (BURKE, 1997,p. 126-127).

A partir de então, os Annales enveredaram pela História da Educação abordando novos temas e/ou problemáticas dantes esquecidas ou descuradas pelos estudiosos e pesquisadores da História da Educação até então. Foi assim que, a partir do estudo da alfabetização a História Cultural conduziu
... à pesquisa coletiva e a analise estatística (...) As pesquisas sobre a alfabetização foram acompanhadas de pesquisas sobre o que os franceses chamam de ‘história do livro’ – pesquisa que se preocupava com as (...) tendências de sua produção e com os hábitos de leitura dos diferentes grupos sociais (Ibidem, p. 91)                                   

Além da contribuição dos Annales, temos a de Roger Chartier em “À beira da falésia. A História entre certezas e inquietudes” (2002), onde chama atenção do historiador sobre o anacronismo ao tratar do objeto de estudo. Para Chartier, no momento em que o historiador se debruçar em estudar o homem e suas atividades no passado deve tomar o cuidado de devolvê-lo “... à sua época, já que, seja ela qual for, não pode se subtrair às determinações que regulam as maneiras de pensar e de agir de seus contemporâneos” (CHARTIER, 2002, p.34). Por isso, devemos reconhecer a ‘aparelhagem mental’ (termo usado por Chartier) de cada época para apreendermos suas idéias formadas naquele contexto. Assim, “a tarefa primeira do historiador,... é resgatar essas representações, em sua irredutível especificidade, sem recobri-las com categorias anacrônicas, nem medi-las pela aparelhagem mental do século XIX” (Ibidem, p. 31).
Ainda, Roger Chartier discorre a respeito das relações que a História tem com a geografia, sociologia, filosofia, a crítica literária e as apropriações do texto pelo leitor (Idem, 2002, p. 251). Essa apropriação dá-se independentemente da finalidade que tinha o autor do texto, pois ela se desfaz no momento em que o leitor faz a leitura do mesmo. “Controlar sua produção, emprego, significação, é um poderoso instrumento de poder. (...) A história das formas e das apropriações da escrita não é, portanto, uma história sem conflitos...” (Ibidem, p. 254). Portanto, a leitura do texto pelo pesquisador ou qualquer leitor estará sujeita a interpretações e utilizações opostas muitas vezes ou em todas as vezes que for lido diverso do autor do determinado texto.
Outro contribuinte da escrita da História da Educação é Robert Darnton em “O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa” (2001). Este diferentemente de Chartier, mostra que num determinado fato ocorrido num dado momento histórico é possível revelar, por exemplo, a situação sócio-cultural e mental em que vivia determinada sociedade e, assim “descobrir sua cosmologia, mostrar como organizavam a realidade em suas mentes e a expressavam em seu comportamento,.. captar a sua diferença” (DARNTON, 2001, p. XIV, XV).
Com o episódio do massacre de gatos, Darnton destaca o anacronismo e a necessidade de uma nova interpretação e reeleitura das fontes, como cartas, relatórios, livros, contos, fotos, entre tantas outras. A estas, o trabalho deve ser minucioso e ‘detetivesco’, ou seja, “analisando o documento onde ele é mais opaco, talvez se consiga descobrir a uma pitoresca e maravilhosa visão de mundo” (Ibidem, p. XV). Para desvendar algo que não está à vista cabe ao historiador, segundo Darnton “descobrir a dimensão social do pensamento e extrair a significação de documentos, passando do texto ao contexto e voltando ao primeiro, até abrir caminho através de um universo mental estranho” (ibidem, p. XVII) que, possivelmente, não esteja tão claro a quem procura com lentes opacas, ou melhor, para aquele que não ‘questiona nada ao documento’.
A respeito dos documentos, Darnton aborda a necessidade e o cuidado do historiador retirar delas todo sentimento, emoções e valores impregnados pelo autor do texto, como é passado pelo observador da cidade de Montpellier. Além disso, evoca a importância do estudo sobre leitor/leitura e sua apreensão da realidade. É o que se observou da influência de Rousseau sobre os seus leitores, a maneira de ler, a sua apropriação da leitura, do livro e a relação com os editores. “Os leitores rousseauístas da França pré-revolucionária atiravam-se aos textos com uma paixão que mal podemos imaginar que é estranha para nós, como a ânsia da pilhagem entre os normandos... ou o medo dos demônios, entre os balineses” (Ibidem, p. 322).
Entre as tantas contribuições de Carlo Ginzburg em “Mitos,emblemas e sinais: morfologia e história” (1989) para o historiador da Educação está a importância de se conhecer a estrutura, comportamento e as formas da vida social. E para tanto, faz-se necessário o conhecimento por parte do historiador da arte, da erudição, da biografia, da psicologia, da antropologia, do folclore e outras ciências que venham auxiliar no conhecimento do passado da sociedade. Já que para ele, “é necessário examinar os pormenores mais negligenciáveis” (GINZBURG, 1989, p. 144), isto é, dos poucos dados considerados insignificantes o historiador poderá compreender o momento social vivido e suas implicações, por isso o historiador deve absorver consideravelmente os ensinamentos de outras ciências para que tenha a condição de “... a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa...”(Ibidem, p. 152). É daí que ele propõe o chamado ‘paradigma indiciário’, ou seja, do indício o historiador deve partir para outras fontes, além de procurar auxílio nas ciências como antropologia, arqueologia, geologia, entre outras. É por isso que ele faz comparação do documento com o sintoma em relação ao médico, do sonho ao psicanalista e da pista ao detetive.
Por último, temos os estudiosos Diana Vidal e Luciano Faria Filho quem em “As lentes da  história: estudos de história e historiografia da educação no Brasil” (2005) em seu último capítulo abordam a relação entre História Cultural e História da Educação. Para os autores, o aprofundamento da relação da Educação com a História Cultural se dá “a partir da década de 1960, na Europa, a História da Educação influenciada, sobretudo pela Sociologia, Antropologia, Teoria Literária e Lingüística, à semelhança do que já ocorria em outros domínios da História, passa por um processo de renovação: os objetos e as fontes são alargadas, diversificadas” (LOPES, 2005, p. 35). Assim, nos anos de 1990 se tem “uma multiplicidade de grupos de pesquisa que se colocaram o desafio de investigações de escopo alargado, de longo prazo e com grande preocupação com o mapeamento, organização e disponibilização de acervos documentais” (ibidem, p. 122). Conforme os autores, o historiador da educação que dialoga com a História Cultural amplia seu leque de objetos com inovações temáticas, as chamadas culturas escolares.
Tais estudos têm permitido, segundo os analistas, não apenas adentrar à ‘caixa preta’ da sala de aula, mas também desnaturalizar a instituição escolar, historicizando a própria institucionalização da educação escolar e discutindo de forma articulada os tempos, espaços, sujeitos, materiais e conhecimentos envolvidos naquilo que alguns têm chamado de processo de escolarização da sociedade (Ibidem, p. 118).

Assim a História da Educação sobre o marco teórico-metodológico da História Cultural inovou, tanto em tema quanto em objeto, fontes e análise de documentos. Já que por meio do ‘paradigma indiciário’, o trato com os (novos) documentos e suas tantas informações, as fontes quanto os objetos considerados signos considerados até então “pouco nobre no interior da própria História da Educação” (FARIA FILHO, 2005, p. 39) passaram a ser privilegiados. Ainda mais, a possibilidade de interação entre a História da Educação com as outras ciências, com a vida social proporcionou ao pesquisador da educação uma infinidade de abordagens que anteriormente não era possível. Contribuindo dessa forma, para o alargamento e uma ‘visão macro’, se assim posso afirmar, da História da Educação tanto no local quanto geral em seus diversos aspectos.

Notas:
*  Texto produzido entre janeiro e abril de 2010.
** Graduado em História pela UFS, Especialista em Educação e Gestão pela Faculdade Pio X. Professor da rede pública de ensino. Integrante do grupo de estudo História Popular do Nordeste/NPGL.



Bibliografia:


BURKE, Peter. A Escola de Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia. São Paulo: Editora da Unesp, 1997.

CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto alegre: Editora da UFRGS, 2002.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história francesa. 4º ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

VIDAL, Diana Gonçalves; FARIAS FILHO, Luciano Mendes de. “História da Educação no Brasil: a constituição histórica do campo e sua configuração atual”. In: VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. As lentes da história: estudos de história e historiografia da educação no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

domingo, 16 de maio de 2010

PERFIL HISTOROGRÁFICO DE FRANCISCO ANTÔNIO DE CARVALHO LIMA JÚNIOR*

José Wilson Moura Santos**


RESUMO


O presente artigo tem como objetivo traçar o perfil historiográfico de Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior. Para tanto, chamaremos a atenção a sua principal e volumosa obra "História dos Limites entre Sergipe e Bahia" e das suas cinco produções monográficas que foram pioneiras ao tratar da história de uma cidade.Além disso, abordaremos sucintamente os principais temas dos artigos de cunho histórico espalhados nos diversos jornais sergipanos e dos Estados da Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro e outros. Enfim, apoiamo-nos em vários intelectuais de sua época e atuais para demonstrarmos a sua singular importância na historiografia sergipana.

Palavras-chave: Carvalho Lima Júnior – produção historiográfica - História sergipana

ABSTRAT
The present article has as goal trace the profile historian of Francisco de Carvalho Lima Júnior. For so much, we will call its attention main and voluminous work "Limits History between Sergipe and Bahia" and of her five productions monograph that were pioneers when care for treating history of hte city. Beyond of this, we will board succinct the mark goods main themes dispersed historical in the several newspapers natives of sergipe and of the State of Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro and another. Finally, support in several intellectual of its time and current to demonstrate its singular importance in the historiography native of Sergipe.

Key-word: Carvalho Lima Júnior. History production. History sergipana.

O historiador Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior nasceu na cidade de Itabaiana a 4 de julho de 1850. Os seus pais foram: o padre Francisco Antônio de Carvalho e Josefa Maria da Conceição1. Ele aprendeu as primeiras letras com sua mãe e a partir daí se desenvolveria por méritos próprios, pois em Itabaiana o campo educacional não tinha muito que lhe oferecer. Com o intuito de crescer intelectualmente, abandonou sua terra natal por volta dos 19 anos de idade, onde migrou para a capital sergipana2.
Lima Júnior sempre foi detentor de grande inteligência e conhecimentos adquiridos pelas suas exaustivas leituras3. Em 1875, ao mesmo tempo em que ingressava no magistério público, conseguiu licença da Assembléia Legislativa para dar prosseguimento aos estudos matriculando-se em fevereiro no “Atheneu Sergipense”, em Aracaju, deixando em seu lugar um substituto4. Entre o ano citado e 1879, lecionou em Carrapicho. Neste último ano, requereu e obteve da Assembléia Legislativa licença de sete anos para cursar em Maceió as disciplinas do curso de Direito de Recife. Residiu na capital alagoana por 3 anos, onde fez com sucesso as disciplinas de Português, Geografia, Retórica e Filosofia. Provavelmente, por não aceitar as normas acadêmicas ou curriculares voltou ao seu Estado natal sem concluir o curso. Contudo, em 17 de junho de 1919 obteve a provisão para exercer a advocacia, o que com grande sabedoria5. De volta a Sergipe, após os três anos em Maceió- AL deu continuidade as suas atividades docentes até novembro de 1886, quando pediu exoneração do cargo6.
Carvalho Lima Júnior, autodidata e grande amigo das letras, é uma referência quando se fala na História de Sergipe, pois souber manusear com destreza as letras e a oratória durante a sua vida. Por isso, seu amigo Armindo Guaraná escreveu que foi um “talento polymorpho é também uma das intelligencias mais productivas da terra sergipana..., com uma cultura metodisada seria, não ha negar, maior o seu valor como homem de letras”7. Devido a essa dedicação ao mundo das letras e a História de seu Estado, legou-nos inúmeros artigos, livro e cinco trabalhos monográficos históricos que constituem o seu legado historiográfico. Portanto, propomo-nos neste artigo demonstrar esse legada ao citar a sua principal obra historiográfica sinteticamente, os seus trabalhos monográficos com sínteses e os temas históricos desenvolvidos por ele nos diversos jornais espalhados pelo Brasil. Enfim, apoiamo-nos em vários intelectuais de sua época e atuais para demonstrarmos a sua singular importância na historiografia sergipana.
Além de exercer a docência, dedicou-se ao jornalismo e foi nessa função que passou a sua vida. O seu primeiro artigo foi escrito no dia 2 de junho de 1875, intitulado “O absolutismo da razão”, no Jornal de Penedo. Dessa data em diante, escreveu para diversos jornais do Brasil, sobre temas dos mais variados: literatura, política, sociedade, história, economia, religião, biografias e outros mais.
Entre os vários artigos de relevância historiográfica estão às biografias de alguns estudiosos de grande relevo na sociedade sergipana, como é o caso de “Manoel Valladão”, “Gumersindo Bessa” e “Padre José Alves Pitangueira”. “Também biografou pessoas simples da sociedade como é o caso de “João Francisco dos Santos” (João Carpina)”. Ainda com o tema biográfico escreveu “Apontamentos biográficos de sergipanos” que são uma série de artigos com fatos da vida de vários sergipanos.8
Também nos diversos artigos historiográficos, Carvalho Lima Júnior dedicou-se a escrever sobre a “Propaganda Republicana” em Sergipe e Alagoas. Ao longo dessa série de artigos, o historiador escreveu sobre as palestras em defesa da República, as campanhas republicanas, a formação dos clubes republicanos, os acontecimentos após a Proclamação da República e suas atividades. A primeira série desses artigos foram dedicados ao movimento e a implantação da República em Alagoas. Neles discorre sobre o processo de instalação, adesões, chefias políticas e tudo que envolveu o processo. Esses artigos foram publicados, entre 19 de agosto de 1917 e 1º de setembro de 1917, com interrupções no Jornal “Diário da Manhã”, em Sergipe. A série de artigos voltados ao processo de instalação, reação das vilas, acordos políticos foi publicado pelo mesmo jornal no período entre 15 de fevereiro de 1918 e 22 de março de 1918, com interrupções.9
Nos demais artigos historiográficos, Lima Júnior dedicou-se a escrever sobre diversos temas de grande relevância histórica: crescimento populacional das cidades sergipanas, a natalidade, a mortalidade, os casamentos, os óbitos, batizados, o desenvolvimento da economia sergipana, as exportações dos produtos agrícolas, política, problemas sociais, religiosidade, alistamento militar em Sergipe, a relação entre sergipanos e baianos, os impostos de importação, entre outros.
Esses artigos com variados temas históricos estão espalhados por inúmeros jornais em Sergipe e outros Estados brasileiros. Os jornais em Sergipe para os quais escreveu foram: “Echo Liberal”; “Laranjeirense”, que mais tarde viria a se chamar “O republicano”; “União Liberal”; “O Estado”; “Jornal de Aracaju”; “O Guarany”; “O Imparcial”; “Jornal do Povo”; “O Estado de Sergipe”; “Correio de Aracaju”; “Jornal de Sergipe”; “Jornal Popular”; “Diário da Manhã”; “Sergipe Jornal”. Em Alagoas redigiu para o: “Jornal de Penedo”; “O Trabalho”; “Gutemberg”; “O Oribe”. No Estado do Espírito Santo no jornal “A Opinião”. Na Bahia, no “A Tarde” e no Rio de Janeiro no jornal “O Paiz”, dentre outros.10
Em seus artigos, Lima Júnior mesclou textos narrativos, dissertativos e descritivos, porém enfatizou os narrativos. Procurou contar os fatos de forma a torná-los fieis ás fontes primarias, mas também deu pontos de vistas, caracterizando-se por ser um historiador crítico e questionador.
Contudo, esses inúmeros artigos espalhados nos diversos jornais do país não estão todos à disposição. Isso porque parte deles sem condições de manuseios, deteriorados, suas letras embranquecidas, corroídos, ilegíveis e/ou interditados. Porém, temos garantido um bom número desses artigos no trabalho monográfico de José Wilson Moura Santos, intitulada “Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior: introdução e antologia” que incansavelmente transcreveu dos jornais sergipanos algumas produções de grande importância para a História sergipana.11
Além da produção dos numerosos artigos historiográficos, o historiador Lima Júnior legou-nos a sua grande obra histórica em 1916, quando foi nomeado pelo General Oliveira Valladão para reunir todos os documentos que interessassem a questão dos limites entre Sergipe e Bahia, escrevendo assim, o livro denominado “História dos Limites entre Sergipe e Bahia” (1918).
Sobre esse trabalho, a professora, historiadora e conterrânea de Lima Júnior, Maria Thetis Nunes enalteceu a importância da obra “História dos Limites entre Sergipe e Bahia” (1918) pela “considerável documentação buscada para justificar as pretensões do Estado de Sergipe a áreas territoriais ocupadas pelo Estado da Bahia”.12
Para Acrísio Tôrres, Carvalho Lima Júnior demonstrou o seu extremado conhecimento da nossa História ao tratar de uma das maiores, ou mesmo, a maior questão interestadual: a questão dos limites entre Sergipe e Bahia. Nessa obras, conforme Acrísio Tôrres, Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior, demonstrou o sue grande potencial acerca do conhecimento sobre o assunto ao ser nomeado pelo então governador do Estado o general Valladão para representar Sergipe na questão dos limites entre os dois Estados. 13
A obra intitulada “História dos Limites entre Sergipe e Bahia”(1918) dividi-se em duas partes. A primeira refuta o “Limite do Estado da Bahia”, do Dr. Braz do Amaral. Essa refutação se dá pela análise e crítica de mapas, documentos e afirmações do próprio autor baiano. De acordo com Carvalho Lima Júnior, os mapas apresentados continham muitos erros cartográficos e os documentos apresentados eram desordenados, confusos, muitos sem autenticidade, além de suas análises serem distorcidas quanto ao conteúdo. Na segunda parte, Lima Júnior defendeu os direitos de Sergipe aos territórios anexados pela Bahia ao longo dos anos. Essa defesa se deu com apresentação de documentos transcritos da obra de Dr. Braz do Amaral e outros catalogados na Bahia e Sergipe. Nessa parte, ainda demonstrou a anexação de Geremoabo, a invasão baiana pelo oeste, noroeste e sul do Estado sergipano. Por fim, confirmou que Sergipe desde a capitania conservou a sua independência administrativa e o seu território respeitado pelo rei português.14
O professor José Silvério Leite Fontes ratificou a importância da historiografia de Carvalho Lima Júnior para a História de Sergipe ao explicitar que no período de 1910 quando o assunto do momento era a questão territorial entre os dois Estados, esse se mostrava já um grande conhecedor da História de Sergipe e defensor da causa sergipana na questão dos limites ao escrever sua volumosa obra.15
Além dessa volumosa obra que até o presente nenhum estudioso debruçou-se em analisá-la e fazer uma exaustiva crítica, Lima Júnior mais uma vez, enriqueceu a historiografia sergipana com cinco trabalhos monográficos históricos, sendo que, dois deles inéditos e pioneiros no gênero: a História dos municípios sergipanos Itabaiana e Simão Dias.
“No campo monográfico Lima Júnior iniciou o seu trabalho com a Monografia Histórica do Município de Itabaiana” (1914) que está dividida em três capítulos. O primeiro mostra que o povoamento de Itabaiana se iniciou com a fuga dos Tupinambás do litoral com a colonização de Sergipe e continuou com a concessão de sesmarias. O seu povoamento no início limitou-se aos sesmeiros e escravos e só no século XIX houve um grande desenvolvimento populacional incentivado pela produção de algodão e confecção têxtil. A sua exploração se deu com a procura do ouro, a atividade pecuária, agrícola e a indústria doméstica. O segundo capítulo trata da localização do primeiro povoamento com a compra de um sítio pela Irmandade das Almas, sua transferência, como também, a elevação á freguesia e sua extensão territorial. O terceiro mostra a atuação política dos itabaianenses em Sergipe, principalmente quando a Bahia a invadiu após o Decreto de 1820, ocasionando a partir daí a ascensão dos chefes políticos locais na política sergipana. Expôs também, a violência e as lutas acirradas dos partidos políticos nas campanhas eleitorais. E, por fim, mostra que a educação teve um desenvolvimento lento e tardio, porém em seu quadro docente notáveis intelectuais.16
Em seguida escreveu a respeito da “Revolução de Santo Amaro – Sergipe” (1914) que é composta por oito capítulos. O primeiro deles discorre sobre a transferência da Câmara Municipal de Santo Amaro para a povoação de Maruim, depois Rosário do Catete, voltando em seguida a Maruim. Em meio a essas idas e voltas estava a desobediência dos santamarenses ao governo, o que levou a extinção da vila e sua subordinação a nova vila de Maruim, provocando protestos e a sua restituição. O segundo capítulo trata das eleições de 1836, que fraudadas provocaram protestos encaminhados ao governo da província que não os atendeu, provocando a chamada Revolução de Santo Amaro. O terceiro capítulo mostra a declaração de guerra dos santamarenses ao governo que fugiu diante do ataque ao povoado Rosário do Catete, esse procurou auxílio nos municípios sergipanos para enfrentar os revoltosos. O quarto capítulo versa sobre a marcha dos revoltosos em direção a Laranjeiras, onde acampados na fazenda de Santa Ana recebem o apoio do Major Celino e aceitam o acordo de reconciliação, cujo não foi cumprido. O quinto capítulo aborda a represália à vila de Santo Amaro, onde os revoltosos reagiram inutilmente e a mesma ficou sobre a administração de João Bolacha. O sexto capitulo discorre sobre os revoltosos emigrados e uma nova revolta na vila que não foi contida pelas forças do governo provincial. O sétimo capítulo discute a série de perseguições e punições arbitrárias do governo aos revoltosos, enquanto que os emigrados propagavam os seus ideais, o governo era incapaz de contê-los. O último trata da pacificação, anulação das eleições pelo governo imperial e a anistia a todos os revoltosos. 17
Prosseguindo os seus trabalhos monográficos registrou a “Memórias sobre o poder Legislativo em Sergipe, 1824-1889” (1919, esse trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro “O Conselho do Governo 1824 a 1834” trata de apresentar cronologicamente os integrantes do Conselho do Governo e suas deliberações, representações, reuniões extraordinárias, autorizações e medidas que promovessem a paz e garantissem a ordem em Sergipe. O segundo, “Conselho Geral da Província 1829 a 1834 trata de descrever cronologicamente, mesmo com interrupções, os integrantes do Conselho Geral da Província e os atos legislativos com as deliberações. O terceiro, “Assembléia Provincial – 1835 a 1889” delineia os nomes dos representantes da Assembléia Provincial durante os biênios a partir de 1838, além de chamar a atenção para as primeiras fraudes eleitorais em Sergipe e cassações de mandatos de adversários políticos eleitos. O quarto, “Atos Legislativos” obedece a ordem cronológica. Registra os atos legislativos de 1835 a 1889, como também, a autorização de contratos para a província, decretos, concessões e são transcritos as deliberações consideradas de importância para a História da província.18
Ainda sobre o tema da organização política sergipana documentou no trabalho monográfico “Capitães-Mores em Sergipe – 1590 a 1820” (1985) todos os governantes sergipanos desde sua colonização a declaração de sua emancipação política, complementado com questões políticas, sociais e econômicas do período estudado. A dita monografia é formada de três capítulos ou partes. A primeira, “Capitães-Mores (1590 a 1640) Domínio Espanhol”, cita os governantes de Sergipe a partir da colonização de Cristóvão de Barros até 1640. A segunda, “Capitães-Mores (1640 a 1696) até a criação das Ouvidorias”, continua a ordem cronológica dos governos, e, além disso, cita os acontecimentos mais relevantes em algumas dessas administrações. A última parte, “Capitães-Mores de Sergipe (1696 a 1820)”, além de continuar a ordem cronológica dos governadores de Sergipe e os feitos da maioria deles, trata de questões políticas (confrontos de competência entre ouvidor e governador, por exemplo, p. 56), social (como o banditismo em Laranjeiras, p. 67 a68), judicial (a questão dos limites entre Sergipe e Bahia, p.88) e econômico (a importância de Sergipe na produção de farinha para abastecer tanto o mercado interno como o externo, p. 93).19
O último trabalho monográfico produzido por Carvalho Lima Júnior foi a “Monografia Histórica do Município de Simão Dias” (1926). Essa monografia se divide em seis capítulos. O primeiro mostra que a denominação da cidade teve origem na pessoa do ‘Simão Dias Francês’ nascido em Itabaiana que fugindo da invasão holandesa no século XVII, estabeleceu-se nas matas do Caiça. O segundo descreve toda a área de Simão Dias que fazia parte da freguesia e termo de Lagarto e que sua ocupação foi promovida pelas tribos indígenas e as doações de sesmarias. O terceiro delineia a invasão holandesa que provocou a fuga de várias famílias para as matas do Caiça, entre elas a de Simão Dias, onde passaram a cultivar a terra e criar seus rebanhos. O quarto discorre sobre a acusação de Braz Rabello a Simão Dias de lhe ter desviado 50 cabeças de gado e todo o desfecho que no final foi provada a inocência de Simão. O quinto capítulo explana a morte de Simão Dias sem deixar descendentes conhecidos. O último capítulo, conta que a região em que morou foi invadida pela Bahia com a criação da freguesia de Bom Conselho. E essa, unida ao Curado de Simão Dias, conseguiu após várias tentativas a elevação à vila no dia 15 de março de 1850.20
Diante de todo esse perfil historiográfico de Lima Júnior notamos quanto foi e é importante o historiador itabaianense, mesmo que fisicamente fosse “de baixa estatura”21 era das mais altas intelectualidade de seu tempo. E ainda mais, nunca se atrelou aos poderosos do seu tempo, conservando-se integro e livre a se opor e criticar energicamente a tudo e a todos que se colocassem contra os seus ideais.22 De grande operosidade e honestidade foi um exemplo a se seguir, não só pelo caráter inabalável, mas também, pela doação vital a cultura e a historiografia sergipana. Foi historiador, filósofo, geógrafo, poeta, dramaturgo advogado, contista, professor e jornalista.23
Entre outras apreciações feitas sobre Francisco Antônio Carvalho Lima Júnior está a de Baltazar Góes que dedicou duas páginas de sua obra a elogiar e engrandecer os feitos de Lima Júnior em prol da História de Sergipe. Para o republicano, Lima Júnior foi dotado de um espírito lutador, de grande inteligência, autodidata, bondade, altivez, talento e muito conhecimento que usufruiu principalmente na imprensa para divulgar e defender assiduamente a república no Brasil e em Sergipe.24
Sebrão Sobrinho ao receber o arquivo de Lima Júnior atestou que era riquíssima em fontes primarias. Ao manusearmos esse arquivo que se encontra no APES/SE na pasta de documentos de Sebrão Sobrinho nos deparamos com cartas, poemas, contos, escritos biográficos, notas entre outros. Em seu artigo intitulado “O arquivo de Carvalho Lima Júnior”, Sebrão considerou como um dos grandes pesquisadores da História sergipana e ainda afirmou que Lima Júnior reuniu uma vasta documentação que é de grande utilidade para a historiografia do nosso Estado. Segundo Sebrão, ele foi “... um dos sergipanos mais ilustres de seu tempo e que mais escreveu acerca de nossa história, publicando seus trabalhos em livros e em jornais”25
Tanto Sebrão Sobrinho quanto José Calazans consideraram-o um grande historiador, este afirmando que fora “um dos maiores historiadores sergipanos”, portanto com “direito a registro separado”26 em nossa historiografia devido a sua valiosa colaboração à História de Sergipe e a memória do seu povo.
Carvalho Lima Júnior fez parte da terceira fase da nossa historiografia como afirma Calazans. Nessa fase, há um grande crescimento da produção histórica em nosso Estado que era congregada e incentivada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, pois é através dos seus componentes, que começaram a debater e escrever sobre temas ligados a nossa história com mais efervescência que até não se processava em Sergipe.27
Quanto ao método, Carvalho Lima Júnior demonstrou uma grande intimidade no manuseio das fontes, pois segundo Calazans foi “cuidadoso na apresentação de seus documentos e soube julgá-los com seriedade e crítica...”28 A isto se deveu ao grande acervo particular que manteve em seu poder. 29
Pelo visto, Lima Júnior soube usufruir muito bem de suas fontes que pelas informações dadas em seus trabalhos eram de uma diversidade impressionante. Esse é o caso da “Revolução de Santo Amaro”, onde ao seu termino, expôs na nota de roda-pé que de nada aproveitou dos trabalhos de Felisbelo Freire e de Travassos já que continha neles deficiências quanto ao conteúdo e o que ficou registrado por ele foi graças aos seus alfarrábios. 30
Portanto, ao conhecermos a produção historiográfica de Lima Júnior temos a convicção de que tratou de todos os agentes históricos concebidos aqui, como todas as pessoas da sociedade desde os que governavam aos governados. Escrevia sobre temas que correspondiam a cada classe social e seus anseios, produção e participação na construção da História.
Embora tenhamos citado todos esses estudiosos que escreveram algumas linhas sobre Lima Júnior, enaltecendo-o ou referindo-se a sua produção historiográfica, pouco se tem sobre ele e muito mais ainda sobre a sua produção historiográfica. Esse artigo é apenas uma simples contribuição ou uma provocação para estudiosos e pesquisadores se debruçarem a estudar e escrever sobre esse extraordinário historiador que foi um incansável pesquisador31 e um apaixonado por nossa História. 32

NOTAS
* Texto escrito teve como base a monografia produzida por mim intitulada “Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior: introdução e antologia” como requisito para a obtenção da graduação em Licenciatura em História pela UFS em 2002.Texto produzido entre julho e setembro de 2008.
** Graduado em História pela UFS, Especialista em Educação e Gestão pela Faculdade Pio X, professor da rede pública e municipal de ensino.
1GOÉS, Baltasar. A República em Sergipe (Apontamentos para a História), 1870-1889. Aracaju, typ. do Correio de Sergipe, 1891, p. 22; BITTENCOURT, Liberato. Sergipanos Ilustres. Rio de Janeiro, Tip. Pap. e Liv. Pereira, 1913, p. 113.
2GUARANÁ, Armindo. Dicionário Biobibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro, Estado de Sergipe, Empresa Gráfica Editora Paulo, Pongetti e C., Rio de Janeiro, 1925, p. 90; CARVALHO, Vladimir Souza. A República Velha em Itabaiana. Aracaju, Fundação Oviêdo Teixeira, 2000, p. 115; Góes, Op. cit. p. 22-23.
3GOÉS, Op. cit, 1891, p. 22.
4Id. ibid.
5GUARANÁ, Armindo. Dicionário Biobibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro, Estado de Sergipe, Empresa Gráfica Editora Paulo, Pongetti e C., Rio de Janeiro, 1925, p. 90-91.
6Id. ibid; LIMA, Jackson da Silva. História da Literatura Sergipana. Aracaju, FUNDESC, 1986, p. 507.
7GUARANÁ, Op. cit., 1925, p. 91.
8SANTOS, José Wilson Moura. Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior: introdução e antologia. São Cristóvão, 2002. 403p. Monografia (Graduação em História). Departamento de História, Universidade Federal de Sergipe, 2002, p. 37.
9SANTOS, Op. cit. p. 218-316.
10SANTOS, Op. cit. p. 47.
11Esse trabalho monográfico foi escrito como requisito para conclusão do curso em História pela Universidade Federal de Sergipe em 2002 e compõe-se da biografia do objeto de pesquisa, bibliografia de Lima Júnior e divisão dos artigos em quatro temas: biografia, propaganda republicana, avulsos e estatística.
12NUNES, Maria Thetis. Sergipe Colonial I. Sergipe: UFS; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 13
13ARAÚJO, Acrísio Tôrres. Pó dos Arquivos.. Brasília, DF, 1999, p. 67-68.
14LIMA JÚNIOR, Francisco Antônio de Carvalho. História dos Limites entre Sergipe e Bahia. Aracaju, Imprensa Oficial, 1918.
15FONTES, José Silvério Leite. Levantamento das Fontes Primarias da História de Sergipe. Caderno da UFS, Aracaju, 1972, p. 5.
16LIMA JÚNIOR, Francisco Antônio de Carvalho. Monografia Histórica do Município de Itabaiana. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, vol. II, ano II, 1914, P. 118-129.
17_____.Revolução de Santo Amaro. – Sergipe 1836. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
18_____ .Memórias sobre o poder Legislativo em Sergipe, 1824 a 1889. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, ano V, vol. IV, Aracaju, 1919, p. 1 a 176.
19_____. Capitães Mores de Sergipe – 1590 a 1820. Aracaju, SGRASE, 1985, 96p.
20_____. Monografia Histórica da cidade de Simão Dias. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, vol. VII, Aracaju, 1926, 9-33.
21BITTENCOURT, Liberato. Sergipanos Ilustres. Rio de Janeiro, Tip. Pap e Liv. Pereira, 1913, p. 113.
22GUARANÁ, 1925, p. 91.
23SOBRINHO, Sebrão. O Arquivo de Carvalho Lima Júnior. Sergipe-Jornal, Aracaju, 13 de abr., 1944, p1; LIMA, Op. cit, 1986, p. 507.
24GÓES, Op. cit. 1891, p. 22-23.
25SOBRINHO, Op. cit 1944, p. 1.
26SILVA, José Calazans Brandão da. Aracaju e outros temas sergipanos. Aracaju, governo do Estado, FUDESC, 1992, p. 16.
27Idem, 1922, p. 16..
28Ibid.
29SOBRINHO, 1944, p. 1.
30LIMA JÚNIOR, Revolução de Santo Amaro. 1914, p. 296.
31SILVA, 1992, p. 16.
32GUARANÁ, 1925, p. 90-94.


BIBLIOGRAFIA


ARAÚJO, Acrísio Tôrres. Pó dos Arquivos. Brasília, DF, 1999.

BITTENCOURT, Liberato. Sergipanos Ilustres. Rio de Janeiro, Tip. Pap. e Liv. Pereira, 1913.

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FONTES, José Silvério Leite. Levantamento das Fontes Primarias da História de Sergipe. Caderno da UFS, Aracaju, 1972

GOÉS, Baltasar. A República em Sergipe (Apontamentos para a História), 1870-1889. Aracaju, typ. do Correio de Sergipe, 1891

GUARANÁ, Armindo. Diconário Biobibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro, Estado de Sergipe, Empresa Gráfica Editora Paulo, Pongetti e C., Rio de Janeiro, 1925.

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______. História dos Limites entre Sergipe e Bahia. Aracaju, Imprensa Oficial, 1918

______Memórias sobre o poder Legislativo em Sergipe, 1824 a 1889. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, ano V, vol. IV, Aracaju, 1919

______Revolução de Santo Amaro 1836.. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, ano II, fascículo III, vol. II, Aracaju, 1914, p. 1 a 176.

_____. Capitães Mores de Sergipe – 1590 a 1820. Aracaju, SEGRASE, 1985

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NUNES, Maria Thetis. Sergipe Colonial I. Sergipe: UFS; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989

SANTOS, José Wilson Moura. Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior: introdução e antologia. São Cristóvão, 2002. 403p. Monografia (Graduação em História). Departamento de História, Universidade Federal de Sergipe, 2002

SILVA, José Calazans Brandão da. Aracaju e outros temas sergipanos. Aracaju, governo do Estado, FUDESC, 1992

SOBRINHO, Sebrão. O Arquivo de Carvalho Lima Júnior. Sergipe-Jornal, Aracaju, 13 de abr., 1944.


 

Ensino médio noturno: perfil discente sobre a aula do professor*


                                                                                                                     José Wilson Moura Santos**





RESUMO

O artigo objetiva proporcionar uma visão sobre os problemas que levam à desmotivação do aluno trabalhador em sala de aula, levando-o muitas vezes a abandonar a instituição de ensino que tem como um dos seus objetivos suprir a necessidade de escolarização desse discente e sugestionar medidas que estimulem a presença e a participação do aluno no processo ensino-aprendizagem.


PALAVRA-CHAVE:
Ensino Médio noturno – Metodologia – Educação – Aprendizagem – Professor/aluno


INTRODUÇÃO

Percebendo a necessidade de mudança na prática docente, o presente trabalho tem como objetivos refletir sobre a difícil tarefa do professor noturno em lidar com os alunos trabalhadores que trazem consigo grande fadiga do dia-a-dia estressante; com isso, demonstrar motivos apontados pelos discentes que levam a uma parcela destes a se ausentarem das aulas, o que consequentemente resultará em abandono do ano letivo e desses fatores pretendemos por meio de sugestões suscitada pelos próprios alunos encontrar meios que possibilitem um melhor relacionamento professor/aluno em prol de uma melhor qualidade de ensino.

METODOLOGIA


O processo de construção deste trabalho tem como principal agente motivador os alunos que a partir de duas perguntas pueris (Os questionamentos foram os seguintes aos alunos da 3ª série do Ensino Médio noturno: O que tornam as aulas noturnas cansativas? e Como deveriam ser as aulas noturnas?). que foram totalmente esclarecedoras, verificamos quais as causas com maiores e menores índices apontados pelos alunos como fatores para a desmotivação e cansaço nas aulas noturnas e quais as metodologias que tornariam as aulas atraentes e, possivelmente, sem fadiga.
Os discentes que mediante as respostas dadas aos nossos questionamentos, tornaram o trabalho possível de ser desenvolvido. Além da singular importância do aluno noturno, utilizamos como fonte a este singelo trabalho artigos da internet e livros voltados à atividade docente em sala de aula.


DESENVOLVIMENTO

A atividade docente é uma árdua labuta, e que para produzir frutos necessita mais do que profissionalismo e dedicação; precisa de vocação, de amor ao que faz. De acordo com Rubem Alves em “O Educador: Vida e Morte” no capítulo “O preparo do educador” ele esclarece que há diferença entre o professor e o educador. Segundo ele, “professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educar, ao contrário, não é profissão: é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança” (ALVES, 1982, p. 16). É a partir desse amor que surge um interesse em conhecer o outro e de um saber lidar com todas as diferenças sociais, econômicas e étnicas que compõem a sala de aula com o intuito de atingir o seu desígnio: a aprendizagem e a preparação do discente para exercer plenamente a sua cidadania. Para tanto, carece do docente um grande preparo para ajudar, entender os diversos e diferentes problemas e ações que ocorrem no cotidiano da sala de aula.
Julgando que os docentes são professores-educadores e, portanto, flexíveis às mudanças em nome da aprendizagem e da formação de um bom cidadão, temos a certeza de que os problemas abordados pelos alunos consultados acerca da desmotivação e do cansaço nas aulas noturnas serão analisados e servirão como base para um novo redirecionamento dos seus planejamentos. Assim sendo, temos como principais origens a serem diagnosticadas em sala de aula e daí trabalhados através de um novo plano que procure não sanar, porém amenizar o cansaço trazido pelos alunos trabalhadores do cotidiano e as monótonas aulas expositivas.
O primeiro problema que induz a dificuldade de aprender dá-se no turbulento dia-a-dia no trabalho. Isso acrescido pela correria que surge no ato de saída de sua labuta para a escola, pois frequentemente saem tarde e quase sempre próximo ao horário de início das aulas. Mesmo assistidos e protegidos pela lei, os alunos trabalhadores não têm nenhum privilégio diante dos seus patrões para estudar e nem o poder público que se comprometera pelo que está escrito na Seção V, Da Educação de Jovens e Adultos, do parágrafo 2, da LDB, pelo visto não cumpre ou pouco é cumprido. Eis o que diz: ‘O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si’. (PCN, 1999,p.63).
Desse modo, são coagidos pela situação a escolher entre ou banhar-se e ou jantar, ou ir à escola. Em decorrência dessa escolha, muitos alunos nem sequer passam em casa para buscar o material didático, vão direto a unidade de ensino cansados e famintos, implicando em um baixo aprendizado. Ao término da aula, ocorre outro transtorno, o de pegar o ônibus de volta para casa. Esse transtorno de ida e vinda torna ainda mais as aulas noturnas torturantes. Além desta correria há o pouco tempo que o aluno dispõe para estudar, resultando numa horrível conclusão: o lastimável abandono que muitas vezes ocorre no primeiro semestre do ano letivo.
O problema seguinte é de igual relevância ao primeiro, uma vez que ambos foram citados pela maioria dos alunos, é a “aula expositiva”. Essa considerada como “monótona”, “sonolenta”, “desmotivante” e “cansativa”. Esta nos chama maior atenção por se confrontar diretamente com a prática diária do professor em sala de aula ( Não desmerecendo e nem esquecendo que a causa anterior atinge indiretamente ou mesmo diretamente na principal finalidade do professor em sala de aula que é construir com o aluno o saber). É evidente que, as aulas expositivas têm a sua importância dentro da metodologia de todos os professores e faz e deve fazer parte sempre de sua prática docente. No entanto, perceber-se a necessidade de incorporar ao lado das aulas expositivas outras metodologias que venham a despertar o interesse e o estímulo do aluno trabalhador para a aula, isto para não correr o risco de torná-la rotineira, com pouco aprendizado ou como diriam eles “a uma mesmice”. Por isso, afirma Tyler citado por Bordenave e Pereira “a aprendizagem se realiza através da conduta ativa do aluno, que aprende mediante o que ele faz e não o que faz o professor” (BORDENAVE, 1983, p. 121). Para haver a verdadeira efetivação da construção do saber, faz-se necessário sempre o professor preparar o tão e precioso plano de aula, umas das principais ferramentas de trabalho do docente. Em mãos do plano de aula o professor saberá o momento ideal de utilizar as metodologias que são aplicáveis à ocasião. Segundo Mattos, citado por Bordenave e Pereira: “os dois grandes males que debilitam o ensino e restrigem seu rendimento são: a rotina, sem inspiração nem objetivo; a improvisação dispersiva, confusa e sem ordem. O melhor remédio contra esses dois grandes males é o planejamento” (Idem, p. 71).
A “falta de interação professor/aluno” é mais um grave problema gerador de desmotivação. “Muitas vezes o professor está mais preocupado em expor sua matéria, isto é, em falar, que em comunicar, isto é, despertar atenção e interesse, mobilizar a inteligência do aluno, ser entendido por este, e induzi-lo à expressão e ao diálogo” (Idem, ibidem, p 183). O distanciamento, a muralha invisível e intransponível posta por muitos professores ao aluno em sala de aula e freqüentemente no corredor ou na rua levam a muitos a desmotivar-se das suas aulas. Para Cunha “o aluno espera ser reconhecido como pessoa e valoriza no professor as qualidades que os ligam afetivamente” (CUNHA, 1995, p. 148). Se não há essa reciprocidade, o aluno deixa-o falar sozinho para os quatro cantos da sala. Ainda, segundo Cunha o “senso de humor” do professor, o “gosto de ensinar” e o “tornar a aula agradável, interessante” ( Idem, p.149) são fundamentais para manter o discente em sala de aula.
Os problemas não são causados apenas pela escolha metodológica do professores do ensino noturno. Temos o que são provocados diretamente pelos próprios alunos dentro da sala de aula, assim apontados pelos mesmos. Entre os fatores que prejudicam o aprendizado do discente trabalhador está na falta de “participação dos mesmos em sala de aula”. Essa apontada por muitos como motivada pela falta de interesse do próprio colega pelo aprendizado. Todavia, temos que investigar cuidadosamente que causas os levam a esta falta de participação.
Um outro problema apontado pelos mesmos são as “conversas paralelas” que acabam por barrar tanto a tentativa do professor de ensinar como a do aluno já cansado de aprender. Além destes citados, temos como outro fator gerador da desmotivação dos discentes os “problemas pessoais”. É nesta ocasião, que “as qualidade que ligam afetivamente o professor e o aluno” devem ser demonstradas pelo educador, através de uma palavra amiga, do estímulo, do conforto para que o aluno enfrente o problema de cabeça erguida e não venha assim, afastar-se da escola ou até tomar decisões que possam prejudicar seu convívio social.
A desmotivação do aluno trabalhador chega a ser também provocado pela estrutura da sala de aula (lugar onde o aluno permanece na maior parte do horário em quanto estiver no estabelecimento de ensino) por está composta de janelas quebradas, sala sem porta, paredes sujas ou riscadas, pouca iluminação e pintura velha. Tal condição acaba tornando uma tortura continuar por muitas horas nesse recinto. Ao mesmo tempo, incluem-se como desmotivador no ambiente, as carteiras duras, desconfortáveis e quebradas. Somando o conjunto apontado acima, temos o aprendizado cada vez mais complicado e não ocorrendo comodidade para o ensino-aprendizado.
Afinal, temos outra razão que dificulta o ensino do professor e o aprendizado do aluno trabalhador: o “horário estrangulador”, ou seja, as aulas corridas que deixam os alunos mais cansados do que já estão. A falta de intervalo entre uma aula e outra acaba por tornar mais suplicante à vida educacional do aluno noturno, como também o excesso de aulas de uma mesma disciplina em uma só noite que chega a ter até três horários seguidos. De acordo com os discentes, a falta de intervalo e a aulas seguidas de professores de uma mesma disciplina acabam por tornar mais problemático o aprendizado e a permanência desses em sala de aula.
Diante dos fatores que dificultam a tarefa de ensinar do professor e da desilusão que afastam o aluno da sala de aula temos como uma entre as plausíveis saídas para findar o desinteresse do discente o uso de velhas e novas metodologias que inovem as aulas e dêem um caráter dinâmico, atraente e de efetivo aprendizado. Para tal dimensão, é necessário que o professor, segundo Libâneo “...conheça uma variedade de métodos cuja escolha dependa dos conteúdos a serem transmitidos.” Além disso “...a escolha de métodos implica o conhecimento das características dos alunos quanto à capacidade de assimilação conforme idade e nível de desenvolvimento mental e físico e quanto as suas características sócio-culturais e individuais” (LIBÂNEO, 1994, pg.152 – 153). Reforçando as palavras de Libâneo, Bordenave e Pereira afirma que o segredo do bom ensino é o entusiasmo pessoal do professor, que vem de seu amor à ciência e aos alunos. Este entusiasmo pode e deve ser canalizado mediante planejamento e metodologia adequados visando sobretudo a incentivar o entusiasmo dos alunos para realizarem por iniciativa própria os esforços intelectuais e morais que a aprendizagem exige (BORDONAVE; PEREIRA, 1983, p. 56).
Entre as várias metodologias que o professor noturno pode utilizar em classe a mais “cotada” entre os alunos estão os “trabalhos em equipe ou individuais”. A fim de que o trabalho em grupo surta o efeito esperado, é preciso segundo Libâneo que “... cada membro do grupo para contribuir na aprendizagem comum, é necessário que todos estejam familiarizados com o tema em estudo. Por essa razão, exige-se que a atividade grupal seja precedida de uma exposição, conversação introdutória ou trabalho individual” (Idem, 1994, 170). Esse recurso a partir da experiência do aluno acabaria sendo um possível instrumento nas mãos do professor para motivá-lo e assim, diminuir as cansativas e desanimadoras aulas expositivas.
Um outro mecanismo (o segundo mais citado no questionário) é de fácil e provável rotineiro recurso utilizado pelo docente: o “exercício em sala de aula”. Este, possivelmente, motivaria os alunos, caso fosse aplicado com poucas questões voltadas à explanação do assunto trabalhado durante o horário do professor na respectiva turma.
O terceiro em ordem de classificação está o “debate”. Os discentes afirmam que esta metodologia seria importantíssima para fazer da aula um momento prazeroso e de grande proveito. Por conseguinte, temos outros meios metodológicos que podem fazer o aluno a ler e participar efetivamente da aula: os “seminários” e as “micro-aulas”.
Entre os recursos apontados pelos alunos noturnos estão: a sala de vídeo, televisão, aparelha de dvd ou vídeo e um bom filme ou documentário que auxilie no entendimento do tema a ser trabalhado em sala de aula ou que reforce o aprendizado. Contudo, a sua eficácia depende da interação entre os audiovisuais e os alunos, a sua função que pode exercer no aprendizado do aluno, a sua influência sobre o respectivo assunto que está sendo trabalhado em classe, a relação que há entre o filme e o complemento trabalhado pelo docente, a adequação do ambiente para a utilização do recurso e o tempo disponível para a sua execução (BORNDENAVE; PEREIRA, 1983, p. 205).
Ainda, devemos utilizar os retro-projetores; telões; computadores (internet, caso a escola tenha este recurso para a aulas ou pesquisa), porém “usar a internet para implementar pesquisas é interessante, porém esse não é o único nem melhor meio para essa finalidade. É importante incentivar os alunos a fazer uso da biblioteca, já que esse espaço e o contato humano devem ser valorizados.” (SILVA, 2006, p. 38 ); data show e outros meios inovadores que despertem a atenção e o interesse do aluno trabalhador. É óbvio, que os últimos citados são pouco conhecidos e/ou desconhecidos pelo professor; quando não, os docentes não têm qualquer familiaridade para utilizá-los em sala de aula. Entretanto, para Leão, não é apenas estes meios que despertarão o interesse e a atenção do aluno a aula do professor. Devemos observar se estamos com o material estruturado e atentos ao livro didático, as apostilhas e ao conteúdo que trabalhamos em sala de aula. Pois, precisamos adequar o conteúdo a condição de apreensão do aluno noturno, após um dia de trabalho cansativo e desgastante. Geralmente as políticas educacionais passam ao largo da questão da sua especificidade, não se discutindo temas como gestão, financiamento, formação de educadores, quadro de carreira, material didático e infra-estrutura apropriados à sua realidade. O comum tem sido a transferência do modelo da escola diurna e de sua gestão para a escola no período da noite, sem que suas particularidades sejam consideradas (LEÃO, 2006).
Então, por que não na falta de recursos sofisticados ou de um modelo a ser seguido de uma escola noturna usar da simpatia, do diálogo, da compreensão, do planejamento e da dinâmica para envolver o aluno e atraí-lo ao nosso verdadeiro objetivo: o seu aprendizado e postura cidadã crítica no meio social Porém, estas atitudes por si só não resolveriam o problema e nem tornaria a aula do professor envolvente e descontraída, pois, segundo Maria Izabel da Cunha em “Repensando a Didática” um aluno dificilmente “apontaria um professor como bom, ou melhor, de um curso sem que este tenha as condições básicas de conhecimento de sua matéria de ensino, ou habilidades para organizar suas aulas, além de manter relações positivas” (CUNHA, 1995, 145). Entretanto, é sabido que é um modelo de orientação e que o professor deve estar consciente de que o aluno traz conhecimentos, logo, deve-se respeitar e aproveitar os conhecimentos dos alunos para criarem juntos um bom plano de aula e conseqüentemente uma boa aula.
Enfim, Adriana Paone no artigo “Desafios do ensino noturno: como eu posso motivar meus alunos que trabalham de dia e, à noite, dormem na aula?” dá-nos sugestão de como proceder nas aulas noturnas a serem desenvolvidas em sala. Os passos são os seguintes:
 Identifique o perfil de seus alunos. Em que empresa e atividade trabalham? Onde moram? Com quem vivem? O que esperam do curso? Leve em conta essas informações na elaboração das atividades e dos projetos.
 De início, proponha atividades ou projetos nos quais as chances de sucesso sejam maiores. Só depois vá aumentando as dificuldades.
 Faça um planejamento atento de cada aula para garantir atividades dinâmicas e criativas. As explicações teóricas não devem ser longas (PAONE, 2006).


CONCLUSÃO

Diante das questões abordadas sobre os problemas que cercam o ensino noturno e das possíveis melhorias apontadas, através das sugestões de metodologias que aplicadas poderiam contribuir imensamente para uma melhoria na qualidade do ensino noturno, notamos que só isso não bastaria para vislumbrarmos o modelo de escola que gostaríamos que existisse, é preciso muito mais. Urge a necessidade de colocarmos os alunos trabalhadores para falar, discutir e apontar sugestões para que tomem consciência da importância do ensino noturno para os mesmos e para a sociedade. Daí a importância de professores, equipe diretiva e a representação da comunidade de “construir junto com eles um programa que vincule conteúdos relevantes das diferentes áreas do conhecimento à realidade da vida e às expectativas para o futuro. Na prática, isso significa usar o cotidiano de trabalho para ensinar Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia...” (Idem, 2006).
Também, ver-se a urgente obrigação de se dar suporte técnico, condições de trabalho, recursos que muitas vezes a escola não os possuem ou não tem espaço adequado ao seu uso e a necessidade da preparação pedagógica. Pois, os professores segundo Leão são formados para o ensino regular diurno. Ao noturno sobram os substitutos e contratados ou aqueles professores que vêm completar o terceiro turno de trabalho, caracterizando uma realidade de pauperização e desqualificação destes docentes. Qual a possibilidade desses professores assumirem responsavelmente novas propostas pedagógicas? É possível melhorar a qualidade do ensino noturno com professores provisórios, aviltados em suas condições de trabalho e vida? Sem uma política de profissionalização dos educadores da escola noturna – plano de carreira, formação específica, ampliação do número de docentes, etc. – não há como proporcionar um ensino de qualidade na escola noturna. As grandes reformas tornam-se um engodo quando as condições materiais, para que as propostas sejam efetivadas, não são fornecidas. O ensino noturno possui peculiaridades que exigem tempo para formação, momentos de reuniões pedagógicas, programas de aperfeiçoamento, trabalho coletivo, etc. (LEÃO, 2006)
Desse modo, quando houver uma somação da preparação crítica do professor para trabalhar inteiramente com o ensino noturno, melhoria da estrutura do ambiente escolar (recursos disponíveis e acessíveis), uma estruturação curricular correspondente à realidade do aluno trabalhador e o respeito às leis que garantem a educação de qualidade aos discentes haverá provavelmente um verdadeiro aprendizado. Segundo, a Carta Magna do nosso país a “oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando”. (C.F. Art. 208, inciso VI).


BIBLIOGRAFIA

ALVES, Rubens. O preparo do educador. In: Educador: vida e morte. Carlos Rodrigues Brandão (Org.). Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1982.
BORDENAVE, Juan Díaz; PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de ensino-aprendizagem. 5ª ed., Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 1983.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
CUNHA, Maria Isabel da. A relação professor-aluno. In: Repensando a didática. Veiga, Ilma Passos de Alencastro (org.)10ª.ed. Campinas: Papirus, 1995.
LEÃO, Geraldo Magela Pereira. A gestão da escola noturna: ainda um desafio político. http://www.educacaoonline.pro.br. Acesso em 04 de agosto de 2006.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo, Cortez, 1994.
PAONE, Adriana. Desafios do ensino noturno: Como eu posso motivar meus alunos que trabalham de dia e, à noite, dormem na aula?. http://novaescola.abril.com.br/ Acesso em 05 de agosto de 2006.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. A LDB e a reforma curricular do Ensino Médio. In: Ensino Médio: Bases Legais. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999.
SILVA, Josias Benevides da. A internet e a qualidade do processo ensino-aprendizagem. Revista Pátio, Porto Alegre, nº 37, ano X, p. 38, mai/jun. 2006.


Nota
* Texto produzido entre outubro e novembro de 2007.
** Professor e pesquisador graduado pela Universidade Federal de Sergipe.

O poeta serrano Carvalho Lima Júnior*

José Wilson Moura Santos**
Ana Paula Rocha Barreto***



“Desde jovem se revelou sempre um gênio bondoso e altivo.
Inteligência valente, vantajosamente borrifada de vários conhecimentos, pela leitura de gabinete, pois não conquistou a ciência regular, ministrada em alguma faculdade. [...] Trabalhou; lutou; afanou-se; excedeu-se. [...] Ninguém fez mais do (sic) ele em prol da democracia brasileira, em Sergipe.” (GOES, 2005, p.44-5)




Assim define o companheiro de idéias republicanas e contemporâneo Baltazar Góes a Lima Júnior.
As poesias do itabaianense Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior (1856-1929) é o foco principal deste artigo. Vivendo ainda no esquecimento sepulcral, o poeta não recebeu ainda as devidas homenagens e reconhecimento entre a sua gente. Entretanto, o contemporâneo Armindo Guaraná e os poucos escritores que o mencionam consideram-no um dos maiores homem da letra em Sergipe. Para convalidar tal afirmativa, transcreveremos dois poemas que fazem jus ao mérito.
Esse merecimento deu-se pela sua grande inteligência e dedicação à pesquisa. Sendo autodidata, foi um dos mais ilustres homens das letras em nossa terra. A sua afeição à leitura e à escrita levam-nos a dividir sua produção intelectual em: literária (poesia, contos, dramaturgia, biografias, romance) e científica (artigos, escritos históricos e geográficos, políticos); deixando para a posteridade inúmeros artigos em diversos jornais de Sergipe, Alagoas, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, almanaques sergipanos e livros.
Homem de grande moral, dignidade e altivez não se deixou levar por favores políticos e interesses inidôneos, por isso não foi contemplado como deveria ter sido em seus trabalhos intelectuais (SANTOS, 2002, p. 7-42), mesmo assim, merecidamente, é patrono da Cadeira de nº. 11 da Academia Sergipana de Letras, tendo seu nome inscrito em uma das artérias e escola da sua terra natal. Contudo, isso não exaure a necessidade flamejante de se estudar sua produção historiográfica e literária que dorme em berço eterno.
A produção poética de Lima Júnior das últimas décadas do século XIX está inserida, de acordo com Jackson da Silva Lima, na fase romântica. Segundo o crítico literário, “das diversas tendências poéticas que se sucederam, é impressionante a vitalidade da intuição romântica, a sua sobrevivência parcial ao longo dos tempos, numa espécie de reencarnação literária” (SILVA, 1986, p. 67). Enquanto isso, a nível nacional, os poetas estavam “forrados por ingênuo materialismo e fortes convicções antimonárquicas, pretendiam demolir, á força de versos libertários, os pilares do conservantismo romântico que se ajustara tão bem ao sistema de valores do Segundo Reinado” (BOSI, 1978, p. 244). A marca romântica em Sergipe é visível nos poemas de Lima Junior e o caracterizamos na sua primeira e segunda fase desse movimento literário. Entre os poemas que estão na fase romântica citamos “A Sertaneja” e “Não Olhes”.
O poeta serrano foi inserido na sistematização de Sílvio Romero que estabeleceu quatro grupos distintos os quais teriam um chefe e estariam num mesmo período cronológico. Portanto, na concepção Romeriana, o ilustre poeta serrano faria parte do terceiro grupo de poetas sergipanos. Esse grupo seria chefiado pelo próprio Sílvio Romero e dele participariam além de Lima Júnior, Filinto Elísio do Nascimento, Jason Valadão, Prado Sampaio, Joaquim Fontes e Manoel dos Passos de Oliveira Teles (ROMERO, 2001, p. 13-14).
As produções literárias de Lima Júnior encontram-se esparsas em diversos jornais, almanaques e revistas em Sergipe e outros estados da federação brasileira (NUNES, 2002, p. 292). Neste trabalho, destacamos a obra poética “Pátria”, que foi impressa pela Tipografia Progresso de Porto/Portugal em 1909 e outras poesias, como: Sodoma e Gomorra (1876); Harmonias da Natureza (1882); A Aurora (1882); Ouve-me (1882); Teus Olhos (1882); Combate Interior 1883); Nunca Vi (1888); O vôo da Águia (1888); Ela (1888); Uns Seios (1892) e outras.
Para certificar-se da qualidade literária de Carvalho Lima Júnior, transcreveremos os poemas A Sertaneja e Não Olhes, ambos escritos em 1888 no Jornal “O Laranjeirense”.

A SERTANEJA

I

Tenho saudades infindas,
Saudades de minha terra,
De tudo quanto ela encerra
- Campinas, vergéis e flores;
A vida é lá mais suave,
As auras são mais fagueiras
À sombra das cajazeiras,
Ai! terra dos meus amores.

Ai! terra dos meus amores,
Meu viver de pequenina,
Quando eu brincava traquina
No colo de minha mãe!
Quem dera-me oh! Deus! quem dera,
Tomar àqueles lugares,
Visitar aqueles lares,
Que mil enlevos contêm!

Que mil enlevos contêm;
Se eu fosse um passarinho
Iria fazer meu'ninho
Nas serras do meu sertão;
Iria, meu Deus! que sorte!
Cantar lá com as patativas
Nas lindas manhãs estivas
De primavera e verão.

De primavera e verão,
Quem pode ouvir nas florestas
A mais sublime das festas
Sem de alegria saltar!
O sanhaço e as arapongas,
O xexéu e as viuvinhas
Fazem lembrar as modinhas,
Que aqui costumam cantar.

Que aqui costumam cantar
Não como na minha terra,
Que os gozos do mundo encerra
Fazendo inveja aos dos céus,
- Nos olhos de suas morenas,
- Nas águas de suas fontes,
- Na luz dos seus horizontes,
- Num raio dos olhos meus.

Num raio dos olhos meus
Há muita gente morrido,
Muitos peitos hão feridos
As setas do meu amor.
No sertão de minha terra
Também bebe-se ventura,
Nos seus campos de verdura,
Nas suas relvas em flor.

Nas suas relvas em flor,
Se sente a doce fragrância
Dos castos lírios da infância,
Fala Deus à Criação,
Enquanto na densa sombra
De suas escuras matas,
As aves em serenatas
Dão-nos vida ao coração.

II

Quando eu ia com meu pote
Buscar água na ribeira,
Trepava na ribanceira
E me punha a meditar,
Não se importavam comigo
As nampupés nem as emas,
Brincava com as seriemas,
Que vinham me festejar.

Que vinham me festejar,
Dizia-me o som da aragem,
O murmúrio da folhagem,
Do campo as flores mais belas,
E eu era muito ditosa
Vendo as araquãs bravias,
As nambus e as cotovias
Quando eu brincava com elas.

Quando eu brincava com elas,
Do mundo eu nem me lembrava,
E muita vez as livrava
Do tiro do caçador.
De manhã ou à tardinha,
Macio o vento soprava
Nas folhas da cana-brava,
Nos umbuzeiros em flor.

Nos umbuzeiros em flor,
Se os papagaios pousavam,
Se os maracanãs cantavam,
Ouvia-se a juriti;
E o bando dos periquitos
Semelhava cardinheiras
Sob o leque das palmeiras,
Nas palmas do ouricuri.

Nas palmas do ouricuri,
Quando a viração se agita,
Em nossas almas crepita
Todo o fogo da poesia,
Que também somos poetas
Naquelas plagas ridentes,
Naquelas areias quentes
Onde tudo é alegria.

Onde tudo é alegria
Como lá, não diz o fado,
Que já nos tem sepultado
Em trevas o coração.
Os caitetus em manadas,
As eu tias e as antas,
Zabelês e paeas tantas
Só se vê lá no sertão.

Só se vê lá no sertão,
No meu retiro de outrora,
Que quisera ver agora
Junta ao meus irmãos e pais.
Quem dera abraçar Joaninha,
Olhar no curral o gado,
Meu pai caçando veado,
E eu feliz muito mais.

E eu feliz muito mais
Não posso ser nesta terra
Como andorinha que erra
Sem dormir no ninho seu,
Sem armar minha arapuca,
Sem ouvir correr na grota
O som da caudal, que brota
Das cachoeiras do céu.

Das cachoeiras do céu,
Que lágrimas tão cristalinas
Umedecem as campinas
E as cabanas dos pastores!
E eu por aqui sozinha,
- Da sorte - enjeitada,
Pela seca expatriada,
Curtindo só dissabores.

Curtindo só dissabores.
Por viver longe dos meus,
Debaixo de estranhos céus,
Sem amor no coração,
Pedindo a Deus que dê vida
À triste rola sem ninho,
Guiando-a pelo caminho,
Das plagas do meu sertão.


NÃO OLHES

Seus olhos são tão negros e brilhantes,
Têm o brilho da luz dos diamantes.
Antônio Romariz (Auras Matutinas)


Não olhes para mim, que tu me matas
Ao lânguido volver do teu olhar.
Não olhes, que o luzir desses teus olhos
Mais sabem que ferir, sabem matar.

Não olhes para mim, por Deus te peço,
Com esse teu olhar todo magia;
Não olhes, que fascinam-me os teus olhos,
Fazendo-me sonhar de noite e dia.

Não olhes para mim, mulher divina,
Que podes sem querer, vir-me a cegar;
Se olhares me verás desfeito em chamas
Das lavas do vulcão do teu olhar.

Não olhes para mim, que vivo em trevas.
Com esse teu olhar que me seduz.
Não olhes, que eu me vejo nos teus olhos,
E cegou-me os lampejos dessa luz.

Porém se tu, demônio ou anjo ou fada,
Quiseres impiedosa me matar,
Acende essa fogueira dos teus olhos,
Abrasa-me na luz do teu olhar.

A partir da leitura de ambos os poemas, ressaltamos o eixo de migração de fase literária dos poemas supracitados. Enquanto o primeiro exalta, elogia e engrandece a sua terra; o segundo poema retrata o amor ofegante a uma mulher inatingível e idealizada.
O poeta itabaianense carece de novas releituras de seu legado tanto na produção científica quanto na literária, ainda pouco desbravada. Desse modo, observada a leitura desses dois poemas de Lima Júnior, validamos que a qualidade de suas produções literárias em nada difere ou se inferioriza a outros poemas do mesmo período.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

ALMEIDA, Serafim Vieira de. Anthologia de Poetas Sergipanos. São Paulo: Typ. cupolo, 1939;
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978;
GOES, Baltazar. A República em Sergipe. 2 ed. Aracaju: Secretaria de Estado da Cultura, 2005, p. 43-45;
GUARANÁ, Armindo. Dicionário Biobibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro: Estado de Sergipe, Empresa Gráfica Editora Paulo, Pongetti e C., Rio de Janeiro, 1925;
LIMA, Jackson da Silva. História da Literatura Sergipana. Aracaju: FUNDESC, 1986, p. 67; p. 105-15;
NUNES, Maria Thétis. Sergipe provincial II (1840/1889). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Aracaju,SE: Banco do Estado de Sergipe, 2006, p. 292;
ROMERO, Sílvio. Parnaso Sergipano. Org. Luiz Antônio Barreto. Rio de Janeiro: Imago; Aracaju: UFS, 2001, p. 13-4;
SANTOS, José Wilson Moura. A historiografia de Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior: Introdução e antologia. São Cristóvão: 2002. (monografia de conclusão de curso em licenciatura em História pela UFS), p.7-42.
Nota:
* Texto produzido entre junho e agosto de 2007
** Professor e pesquisador graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe.
*** Professora e graduada em Letras pela Universidade Federal de Sergipe.